"Somente onde há sepulturas há também ressurreições"
(Nietzsche)
Amigo. Santo. Gosto de conversar com meus amigos, pessoas com as quais tenho prazer de compartilhar a vida, ideias e reflexões. Não espero que eles pensem como eu, que estejam de acordo com minhas palavras. Seus rostos são diferentes do meu e se convivemos tranquilamente com essa diferença, porque desejar que nossas ideias sejam iguais? Além dos rostos, nossas experiências são imensamente diferentes, o que faz da relação uma construção. Experimentar a diferença é o que realça a verdadeira amizade. Penso também nas relações dos casais de namorados e casados, quantas delas chegaram ao fim simplesmente porque faltou o prazer de compartilhar ideias? A paixão passa rápido demais e não há amor que sobreviva apenas de sentimentos subjetivos, sem a presença do diálogo, da partilha.
Santos – para a Igreja Católica – são pessoas comuns que, alimentadas pela fé, testemunharam o amor de Deus entre os homens e tornaram-se dignas de serem exemplos para toda comunidade dos fiéis. As esculturas dos santos trazem imagens de pessoas tristes, figuras sofredoras e melancólicas. Há uma explicação para isso: grande parte dos santos foi assassinada em nome da fé, por isso as imagens com feridas, espadas e punhais. Penso diferente neste ponto. Se alguém sacrificou a própria vida pela fé, o martírio torna-se glória e o sofrimento, eterna felicidade. Não que a morte deva ser desejada por aqueles que testemunham o Reino de Deus, mas não vejo Jesus de Nazaré, torturado e assassinado, com feição triste por ter dado a vida pela humanidade. O próprio Jesus afirmava que o grão que não morre não frutifica. Também o filósofo Nietzsche acreditava nisso: “Somente onde há sepulturas há também ressurreições” (Assim falou Zaratustra). A palavra “Santo” tem um significado muito bonito, é aquele que foi separado do profano, tornando-se sagrado. Os santos deveriam ter imagens mais mansas e calmas, com rostos felizes por terem encontrado o caminho do sagrado. Rubem Alves diz que “um santo seria uma pessoa que planta jardins e vive neles”. O jardim é no que devemos transformar o mundo, plantando rosas, orquídeas, hortênsias... flores que perfumam nossas vidas. Mas, continua Rubem Alves, os olhos dos santos da Igreja não sorriem para os jardins. Eles vivem neste vale de lágrimas, habitado pelos degredados filhos de Eva, e olham incessantemente para o Céu, chorando e expressando seu espanto para com a criação: “Por quê, meu Deus?” – como se o Criador tivesse culpa pelo que transformamos seu lindo jardim.
Fico feliz quando tenho a oportunidade de compartilhar a minha vida com meus amigos. Falo muito de muitas coisas, mas falo principalmente sobre o que minha alma está sentindo. Tenho feridas que precisam ser cicatrizadas e meus amigos são remédios para minhas dores. E quando são eles que precisam de remédio, meu sorriso e meu abraço estão sempre abertos para acolhê-los. Talvez, o que falta aos que escolhem as feições e imagens dos santos é a percepção de que eles encontraram o sorriso e o abraço de Deus. Olhar e me ver nos olhos de um amigo torna-me feliz. Vejo-me nos olhos do outro. Percebo que também estou nos olhos de Deus. O sofrimento das pessoas se dá por terem se afastado dos outros, do espaço no qual encontrariam Deus. É o encontro que eu teço todos os dias com meus amigos, com todos os seus absurdos, que me salva. A experiência de sentir-se amado tem o poder de dissolver todos os absurdos. Também quero ser santo, desejo isso todos os dias, e morreria defendendo o que considero Sagrado. Quero ser santo junto dos meus amigos, olhando em seus olhos, trocando ideias, compartilhando o pão. E a imagem que espero que levem e tenham de mim é de um rosto sorridente e feliz, de quem experimentou o amor de Deus no olhar, no sorriso e no amor dos meus amigos. O mundo está a nossa frente, cabe a nós plantar o jardim.
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