quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A desconstrução da liberdade

Sem dúvida a liberdade é característica essencial do Ser humano. Em Ontologia dizemos que ela está na origem do Sujeito que se apresenta para o mundo. Tal apresentação – o lançar-se no mundo – acontece através da intencionalidade da consciência, que obedece, por si mesma, à necessidade de auto-realização do Sujeito.
Contudo, apesar de estar na origem do Sujeito, a liberdade vive em constante ambigüidade de sentido. Esta contradição é claramente demonstrada na manifestação de um grupo estudantil na Universidade de São Paulo. O grupo, que se diz parte do Movimento Estudantil, acredita atuar no contexto político-educacional por vontade própria, mas se revela manipulado por ideais velados e disfarçados. Particularmente penso neste grupo como sendo desprovido de uma consciência crítica – ora, não basta ser um estudante crítico, é preciso ter crítica consciente – que aparenta uma atuação engajada (militância política), porém não passa de uma postura festiva e muito pouco fundamentada. O que ocorre neste caso é o clamor de uma consciência alienada que se projeta exteriormente de forma intempestiva e desordenada. Este grupo, claramente minoritário dentro da USP, demonstrou a mobilidade ideal dos estudantes, entretanto o fez pelos motivos errados.
Há algum tempo não vejo manifestações em defesa da educação (decente, ética e igualitária) ou contra o sucateamento dos espaços físicos das Universidades, principalmente as bibliotecas universitárias que estão uma vergonha. Evidentemente defender a liberdade – que é direito constitucional – é condizente com o papel dos estudantes, contudo, os próprios estudantes que defendem a liberdade excluem a vontade da grande maioria, por exemplo na continuidade da Polícia Militar no Campus da USP. Quando refletimos e defendemos a importância da opinião das minorias, não estamos dando carta branca para que suas idéias sejam impostas para toda a sociedade (no caso a comunidade universitária). É preciso ter discernimento e respeitar o principal fundamento de um Estado de Direito: a democracia.
Hoje o Movimento Estudantil, em parte, vive num deprimente saudosismo do Regime Militar. Assegurar o cumprimento da Lei é repressão, ditadura ou perseguição dos ideais libertários. Uma cena ridícula da USP foi aquela na qual um estudante corre para cima dos policiais e retira de dentro da bolsa um exemplar do Manifesto Comunista, expondo-o como se estivesse sendo apreendido por motivações políticas, o que não é verdade. Este saudosismo revela a inconsciente submissão, passividade e subserviência dos estudantes, o que os tornam objetos de um mecanismo alienante. Outro fato vergonhoso para toda a sociedade foi um vídeo divulgado pela Rede Record, no qual, em uma assembléia no Campus, uma estudante esbraveja a favor do uso da maconha, justificando que ela não mata. Ora, acredito veementemente que estes alunos da área de humanas necessitam urgentemente realizar estudos de campo e estágios nas periferias das grandes cidades. O uso da maconha pode não matar, mas sua comercialização – que é proibida no Brasil – fortalece ainda mais o tráfico de drogas, que mata, sim, milhares de pessoas, principalmente, adolescentes e jovens. Enquanto estes “burguesinhos” comunistas e anarquistas se drogam nos bares e Universidades, centenas de adolescentes são recrutados diariamente pelo crime organizado para que essas drogas cheguem até seu destino. Uma cruel constatação é que grande parte das biqueiras é gerenciada por jovens.
Sim, as Universidades devem ser espaços livres e democráticos, o que é garantido na Constituição Federal em seus artigos 206 e 207, mas para a divulgação do pensamento, da arte e do conhecimento, não para o desrespeito às Leis e às Instituições. As mesmas regras aplicadas no estado e municípios também devem ser respeitadas no interior das Universidades, uma vez que elas não se constituem como “vácuos” da sociedade.
Ontologicamente, o desvelar da liberdade é um caminhar que vai da dúvida à experiência. O Sujeito não conquista a liberdade individualmente, mas participa dessa experiência em comunhão com o Todo. É a intersubjetividade compromissada e livre que leva o Sujeito ao encontro do Ser-político. Algo para se aprender de toda a história da luta pela democracia é que nem sempre a minha vontade será a vontade que deverá prevalecer.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Amor X Insegurança


O que move as pessoas?

Muitos dirão que é o amor. Sem dúvida alguma o amor é uma força que move os seres humanos, mas há outra pulsão capaz de gerar mais paixão do que o amor. Na verdade, o que move as pessoas – e o mundo – é a insegurança.

O amor causa a insegurança. Ou a falta de amor. Ou o medo de não ser amado. E quando ficamos inseguros, fazemos as piores coisas. Tudo, todas as coisas ruins, as atitudes erradas dos seres humanos, vem da insegurança, do medo de ser enganado, do medo de ser deixado para trás.

Exemplo clássico da insegurança causada pelo amor é Otelo, personagem de Shakespeare, que apesar de toda a fama e grandeza, denota demasiado medo de ser traído por Desdêmona. A dor memorável, ou a memória induzida pela dor, emana de uma ambivalência, ao mesmo tempo cognitiva e afetiva.

O que precisamos entender é que a pior traição é aquela que acontece dentro de nossa cabeça. No fundo estamos traindo a nós mesmos. Estamos traindo a nossa confiança, traindo a confiança que temos nas pessoas que amamos. E a pergunta que fica é simples: Como vencer a insegurança? Como revelar a verdadeira força do amor, que é muito mais forte que a insegurança?

Enquanto não conseguimos responder a essas questões, temos que lutar contra este sentimento, ao mesmo tempo tão humano e tão nocivo à humanidade, ou à humanização de nossas relações.

terça-feira, 26 de abril de 2011

O amor e a perfeição...

É imprescindível, em alguns momentos, parar um instante, refletir acerca das imagens que diariamente construímos em torno de nossas relações e, assim, nos permitir ao questionamento: “pode existir um amor perfeito?”.

As nossas idealizações dizem que sim. Tal ideia parece responder ao desejo que o ser humano tem de encontrar no outro a solução para o que nele é imperfeito. Na busca da cura das consequências de nossas escolhas e, principalmente, de nossa precariedade, procuramos buscar nas pessoas o remédio para as nossas incompletudes.

Na filosofia aprendemos a conceituar o termo perfeição como aquilo que não necessita complemento, mudança ou transformação, isto é, o que está pronto. Nesta perspectiva, chegamos à conclusão que nenhuma pessoa pode ser considerada perfeita, afinal, somos todos inacabados. Eis a frustração daqueles que esperam encontrar pessoas perfeitas com as quais possam construir suas relações humanas.

Não deixamos de sentir as consequências de nossas imperfeições, o que nos leva a assumir o processo de aperfeiçoamento, a partir das oportunidades de superação que encontramos pela vida. Assim, quando encontramos o outro, devemos considerar que ele também está vivenciando este processo. Mesmo sendo inacabados, imperfeitos, não estamos condenados a permanecer estáticos diante da vida e das experiências nela contidas. Não estamos condenados a viver eternamente com os nossos defeitos. Só assim, num encontro de imperfeitos, nasce o verdadeiro desejo de juntos lapidarem suas humanidades, buscando uma harmonia, uma integração a qual podemos chamar de amor.

Mas que para isso ocorra é preciso deixar de lado nossas idealizações. Porém somos constantemente levados a questionar a imperfeição do outro. É uma contradição existencial. Não somos perfeitos, mas queremos realidades perfeitas. A idealização nos retira do contato com a realidade. O conflito se estabelece ainda mais quando percebemos que pessoas que se sabem imperfeitas estão constantemente buscando pessoas perfeitas. Começam a projetar umas nas outras suas necessidades, seus vazios. É a partir disso que os cativeiros são criados, e deles nascem as invariáveis, os condicionamentos.

A pessoa inicia um processo de invenção do outro. E todos sabem que inventar é uma forma de estabelecer cativeiros, uma vez que a disposição de si fica ameaçada. Aquele que inventa (idealiza) retira do inventado o direito de ser o que realmente é. Idealizar é uma forma de negar a realidade. O que passa a importar não é mais o que se é, mas a máscara que se usa. Como escreveu Fernando Pessoa: “Fiz de mim o que não soube, e o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era, e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, estava pregada à cara. Quando a tirei e me vi ao espelho, já tinha envelhecido”. O perigo deste cativeiro é que podemos nunca mais sair dele. A não autenticidade abre portas para os equívocos. Os outros nos idealizam e nós permitimos a idealização e suas inadequações. E, quando desejamos dizer a verdade, nem sempre temos a possibilidade.

O amor perfeito não existe, porque também não existem pessoas perfeitas. O que temos é a possibilidade de construir relações verdadeiras, autênticas. Máscaras não servem para mais nada além de esconder o que realmente existe. Enfeitar a realidade. Relações baseadas na verdade, no que concretamente existe, podem chegar mais próximo do que conhecemos como perfeição. Idealizações criam cativeiros que podem tornar-se definitivos. Mas podemos escolher em qual universo queremos viver o amor, nas ideias ou na humanidade. Temos a possibilidade de eternizar em nós o que realmente vale a pena e esquecer definitivamente aquilo que não vale...

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