quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Na varanda... ponte, lua e sol

Na varanda...
Onde o ar anda depressa
Vai embora na conversa
Nossa pressa de ficar

Na varanda...
Onde a flor se arremessa
Onde o vento prega peça
Nos traz festa pelo ar

Na varanda...
A criança se debruça
Mãe, menina ainda fuça
Nos cabelos a ninar

Na varanda...
Onde a lua se levanta
Nossa rede se balança
Serenata pra acordar

Joga a trança
Busca o chão e não o céu
Qual barquinho de papel
Sonha ir de encontro ao mar

E a noite vem
Sendo o descanso do sol
E a ponte vem
Sendo a distancia de quem tá só

Um sol
Com a cabeça na lua
A lua que gira, que gira, que gira...

E a noite vem
Sendo o descanso do sol
E a ponte vem
Sendo a distancia de quem tá só

Um sol
Com a cabeça na lua
A lua que gira, que gira, que girassol


(Teatro Mágico)

sábado, 16 de outubro de 2010

TROPA DE ELITE 2

Por Padre Caio Augusto de Andrade


Todo bom filme não depende apenas da qualidade de sua produção ou do bom desempenho de seu elenco, mas dos elementos interpretativos que são oferecidos aos seus expectadores e os ajudam a entender melhor a realidade deles. Com um realismo frio e violento, ora com uma linguagem vulgar das ruas (com 135 palavrões) e ora com uma narração sapiencial de quem procura uma sabedoria de vida, Tropa de Elite 2 é um filme que nos ajuda e entender a nossa realidade humana, principalmente, o ideal de pessoa humana.

A sua direção soube captar esse ideal de ser humano o qual a maioria dos brasileiros projeta, mesmo que eles nunca consigam alcançá-lo. Trata-se de um modelo de herói que se constrói em torno do Capitão Nascimento (Wagner Moura). Assim como os heróis clássicos da Grécia antiga (Ulisses, Aquiles, Nestor e Menelau nos poemas Odisseia e Ilíadas), Capitão Nascimento, apesar de ser um fracasso na vida pessoal e familiar, possui uma virtude (arete) que é constante nos dois filmes Tropa de Elite: a incorruptibilidade. A sua luta não é só contra os ladrões e bandidos, mas contra o vício: a corrupção. O que busca é a purificação das pessoas e todo sistema policial e político.

Esse ideal pressupõe o ethos dos brasileiros, isto é, o nosso modo de ser, pensar e de relacionar. O esse ethos mostra, ao mesmo tempo, uma imagem negativa e positiva de nós mesmos. Negativa porque confirma que a maioria dos brasileiros é corrupta. Positiva porque constata a existência de uma vontade honrosa de virtude como a incorruptibilidade.

Portanto, a luta do capitão Nascimento nos questiona sobre o que ou quem deixa as pessoas melhores hoje. Seriam as escolas cujos professores não se sentem estimulados a educar na virtude? Seriam as igrejas cuja missão consiste em expandir e arrepanhar o maior número de fiel, mesmo a custa da exploração dos vícios e ambições humanas por meio de uma teologia da prosperidade? Seriam os pais que passam o maior tempo longe de suas famílias por causa do trabalho? Seriam as leis que se fundamentam mais nos direitos humanos do que nos deveres humanos?


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Nossa Senhora e Mãe Aparecida: o Sim para Deus e para os homens


Maria do sim. É isso que celebramos no dia de hoje. Não é o dia de uma deusa, pois Maria não é deusa e nem quer ser uma. Ela sempre soube se recolher a sua insignificância, a humildade sempre fez morada naquela mulher: “A minha alma engrandece o Senhor... porque Ele olhou para a humildade de sua serva”. Celebramos a mulher Maria, que no absurdo de sua vida acolheu o Amor de Deus, dizendo sim a Sua vontade e vivendo inteiramente para revelar aos homens o rosto humano do Criador.

Maria viu-se diante de um imenso mar, cercada de fortes ondas e bravos ventos. Não desistiu. Seu sim foi verdadeiro, corajoso e revolucionário. Frente a ela estava uma cultura preconceituosa, na qual a mulher era tratada com desprezo e submissão. Mas Maria, uma simples mulher, ergueu-se de forma inexplicável, seu olhar era pura caridade, seu colo era fortaleza. Vivia a pobreza de uma sociedade desigual, a perseguição de uma religião fundamentalista e a incompreensão de seus próprios irmãos e amigos. Não desistiu. Era impossível, a partir de sua escolha, voltar atrás. O Espírito Santo a impelia a seguir no caminho que o Criador lhe havia preparado. O vento forte que a balançava e a levava adiante era o Amor de Deus, para o qual seu sim era definitivo.


Não dá mais pra voltar, o barco está em alto mar
Não dá mais pra voltar, o barco está em alto mar

Não dá mais pra negar
o mar é Deus e o barco sou eu
E o vento forte que me leva pra frente
é o amor de Deus.

Não dá nem mais pra ver o porto que era seguro
Eu sou impulsionado a desbravar um novo mundo.

O que celebramos hoje, pode até parecer incompreensível aos olhos de muitos, é mais do que uma simples mulher, é o sim que trouxe ao mundo o Salvador. É a humilde certeza que em Aparecida, em meio à escravidão e perseguição aos negros e pobres, uma pequena imagem, suja de cera e fragilizada pela água do rio, trouxe aos pequenos e oprimidos: “Deus está olhando por nós!”. A certeza era o significado que aquela pequena imagem trazia: a Libertação está próxima, nosso Deus caminha conosco. É só dizer Sim e prosseguir, não desistir, acreditar que somos um barco impulsionado pelo Amor de Deus a desbravar um Mundo Novo.

Nossa Senhora Aparecida – Mãe Cidinha – Padroeira do Brasil, Senhora dos povos sofridos desta terra, Patrona dos pequenos e oprimidos – rogue por todos nós, seus filhos. Assim seja!

domingo, 10 de outubro de 2010

As memórias são os outros.

Nossa vida é feita de memórias. Construímos a história a partir das memórias que temos, memórias que nos constroem a cada instante. Cada pedaço de mim que ficou pelos caminhos trilhados, pelas esquinas que passei procurando por algo que nem mesmo eu sabia o que era, tem em si o poder de falar de mim, das minhas experiências, das minhas dores e alegrias. Inúmeros objetos podem trazer consigo memórias que me tocam, pois me fazem lembrar de momentos singulares de uma vida que está em construção. Mais que objetos, as pessoas trazem em si a relevância de experiências que me fizeram crescer, amadurecer. Pessoas que me ensinaram a caminhar mais do que eu mesmo imaginava conseguir. E quando recordo dessas pessoas eu só posso cantar:

Quando a solidão doeu em mim
Quando
meu passado não passou por mim
Quando eu não soube compreender a vida
Tu vieste compreender por mim

Quando posso parar um instante, faço memória das pessoas que me ajudaram pelo caminho. Quando aquelas mãos evitaram a minha queda ou mesmo quando elas não quiseram evitá-la, mas me ajudaram a levantar. Companheiro de verdade é esse, que sabe ler os sinais, propõe novas possibilidades mas não tiram de nós a autonomia da escolha. Se é pra evitar a queda, ele está lá; se a queda aconteceu, suas mãos me inspiram e ajudam a continuar.

Quando os meus olhos não podiam ver
Tua mão segura me ajudou a andar
Quando eu não tinha mais amor no peito
Teu amor me ajudou a amar

Sim, nossa vida é feita aos poucos. Estamos constantemente lembrando e esquecendo de nossa memória. Partimos e sentimos a dor de partir. Nossas lágrimas mostram a expressão de uma liberdade que só pode existir dentro de cada um. E como nós queremos essa liberdade! Carregamos a herança de nosso passado. Somos uma reunião de experiências, determinando uma construção que está ainda no começo. Há pessoas que nos fazem lembrar que também somos feitos de sonhos. Pessoas que transformam nossas “vidas secas” em lagoas e mares azuis, cheios de esperança. A essas pessoas, as mais belas memórias de um mundo vivo dentro de nós, desejo que sejam sempre assim: memórias vivas.

Quando o meu sonho vi desmoronar
Me trouxeste outros pra recomeçar
Quando me esqueci que era alguém na vida
Teu amor veio me relembrar

Relembro assim, minha vida eu construo assim. Recolho os pedaços que ficaram pelas esquinas e peço ajuda para junta-los. Sou um ser inacabado e só posso ser terminado quando todas as minhas memórias estiverem acesas e vivas dentro de mim. Eu sou assim.

Tens o dom de ver estradas
Onde eu vejo o fim
Me convences quando falas
Não é bem assim
Se me esqueço, me recordas
Se não sei, me ensinas
E se perco a direção
Vens me encontra...

Tens o dom de ouvir segredos
Mesmo se me calo
E se falo me escutas
Queres compreender
Se pela força da distância
Tu te ausentas
Pelo poder que há na saudade
Voltarás...

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Instrumentos de Paz!


Senhor, Deus dos humilhados, faça de mim um instrumento de sua Paz:
Onde o ódio dilacerar a alma, que eu possa revelar a presença do Amor;
Onde as relações estiveram fragilizadas por ofenças, que eu possa mostrar o caminho do Perdão;
Onde a discórdia separar os homens, que eu possa tecer Comunhão;
Onde a dúvida e a incerteza apagar a razão, que eu possa reacender a chama da Fé;
Onde os erros levarem os homens à iniquidade, que eu possa apresentar a Sua Verdade;
Onde o desespero matar a vontade de transformação, que eu possa alimentar a Esperança;
Onde a tristeza ferir os corações, que eu possa contagiar com minha Alegria;
Onde o vazio e as trevas levarem os homens ao absurdo, que eu possa refletir a Sua Luz.

Mestre, Sabedoria e Caridade absoluta, que eu procure ser antes de ter;
Que eu busque mais consolar que ser consolado,
Compreender que ser compreendido,
Amar que ser amado.

É dando que receberemos,
É perdoando que seremos perdoados
E é morrendo que viveremos a Vida Eterna.

Assim seja!


(São Francisco de Assis, rogue por todos nós!)

sábado, 2 de outubro de 2010

Amigos e Santos: O jardim começa na plantação


"Somente onde há sepulturas há também ressurreições"

(Nietzsche)


Amigo. Santo. Gosto de conversar com meus amigos, pessoas com as quais tenho prazer de compartilhar a vida, ideias e reflexões. Não espero que eles pensem como eu, que estejam de acordo com minhas palavras. Seus rostos são diferentes do meu e se convivemos tranquilamente com essa diferença, porque desejar que nossas ideias sejam iguais? Além dos rostos, nossas experiências são imensamente diferentes, o que faz da relação uma construção. Experimentar a diferença é o que realça a verdadeira amizade. Penso também nas relações dos casais de namorados e casados, quantas delas chegaram ao fim simplesmente porque faltou o prazer de compartilhar ideias? A paixão passa rápido demais e não há amor que sobreviva apenas de sentimentos subjetivos, sem a presença do diálogo, da partilha. Não basta compartilhar a vivencia na mesma casa, quando a mais importante casa – a alma – está vazia e desabitada.

Santos – para a Igreja Católica – são pessoas comuns que, alimentadas pela fé, testemunharam o amor de Deus entre os homens e tornaram-se dignas de serem exemplos para toda comunidade dos fiéis. As esculturas dos santos trazem imagens de pessoas tristes, figuras sofredoras e melancólicas. Há uma explicação para isso: grande parte dos santos foi assassinada em nome da fé, por isso as imagens com feridas, espadas e punhais. Penso diferente neste ponto. Se alguém sacrificou a própria vida pela fé, o martírio torna-se glória e o sofrimento, eterna felicidade. Não que a morte deva ser desejada por aqueles que testemunham o Reino de Deus, mas não vejo Jesus de Nazaré, torturado e assassinado, com feição triste por ter dado a vida pela humanidade. O próprio Jesus afirmava que o grão que não morre não frutifica. Também o filósofo Nietzsche acreditava nisso: “Somente onde há sepulturas há também ressurreições” (Assim falou Zaratustra). A palavra “Santo” tem um significado muito bonito, é aquele que foi separado do profano, tornando-se sagrado. Os santos deveriam ter imagens mais mansas e calmas, com rostos felizes por terem encontrado o caminho do sagrado. Rubem Alves diz que “um santo seria uma pessoa que planta jardins e vive neles”. O jardim é no que devemos transformar o mundo, plantando rosas, orquídeas, hortênsias... flores que perfumam nossas vidas. Mas, continua Rubem Alves, os olhos dos santos da Igreja não sorriem para os jardins. Eles vivem neste vale de lágrimas, habitado pelos degredados filhos de Eva, e olham incessantemente para o Céu, chorando e expressando seu espanto para com a criação: “Por quê, meu Deus?” – como se o Criador tivesse culpa pelo que transformamos seu lindo jardim.

Fico feliz quando tenho a oportunidade de compartilhar a minha vida com meus amigos. Falo muito de muitas coisas, mas falo principalmente sobre o que minha alma está sentindo. Tenho feridas que precisam ser cicatrizadas e meus amigos são remédios para minhas dores. E quando são eles que precisam de remédio, meu sorriso e meu abraço estão sempre abertos para acolhê-los. Talvez, o que falta aos que escolhem as feições e imagens dos santos é a percepção de que eles encontraram o sorriso e o abraço de Deus. Olhar e me ver nos olhos de um amigo torna-me feliz. Vejo-me nos olhos do outro. Percebo que também estou nos olhos de Deus. O sofrimento das pessoas se dá por terem se afastado dos outros, do espaço no qual encontrariam Deus. É o encontro que eu teço todos os dias com meus amigos, com todos os seus absurdos, que me salva. A experiência de sentir-se amado tem o poder de dissolver todos os absurdos. Também quero ser santo, desejo isso todos os dias, e morreria defendendo o que considero Sagrado. Quero ser santo junto dos meus amigos, olhando em seus olhos, trocando ideias, compartilhando o pão. E a imagem que espero que levem e tenham de mim é de um rosto sorridente e feliz, de quem experimentou o amor de Deus no olhar, no sorriso e no amor dos meus amigos. O mundo está a nossa frente, cabe a nós plantar o jardim.

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