sexta-feira, 2 de outubro de 2009

HOMO PESTIS

"É preciso propor aos homens um grande objetivo".
Lebret



“O que proponho [...] é uma reconsideração da condição humana à luz de nossas mais novas experiências e nossos temores mais recentes. É obvio que isto requer reflexão; e a irreflexão – a imprudência temerária ou a irremediável confusão ou a repetição complacente de ‘verdades’ que se tornaram triviais e vazias – parece ser uma das principais características do nosso tempo. O que proponho, portanto, é muito simples: trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo” (Hannah Arendt, A Condição Humana, p. 13.).

Hannah Arendt propõe que se “reflita sobre o que estamos fazendo”. Nas mais diversas oportunidades que a vida nos dá para parar e refletir acerca de nossas atitudes e, sobretudo, nossas relações humanas, deve haver um profundo respeito para com a experiência de cada homem e com seu modo de ver e julgar o mundo que o circunda. Ora, cada um de nós tem uma identidade pela qual é conhecido e pela qual se permite conhecer. É impossível, partindo do pressuposto do respeito pela experiência de cada pessoa, apresentar uma outra identidade que não seja aquela apresentada no dia a dia. Não que esta identidade seja imutável, mas mesmo as mudanças são perceptíveis à luz da experiência relacional de cada um. O que tem se verificado, são pessoas que usam de sua capacidade cognitiva (sapiensa) para usufruir das oportunidades, são os chamados “oportunistas”. Negam a caracterização do homo faber e mesmo do homo laborane para se tornarem homo pestis. Esses, verdadeiros abutres na caça pelo que devorar, quebram a cadeia das relações por simples interesse próprio. O homem relacional cede lugar ao animal repulsivo (pestis).

O mundo existente é fruto da atividade humana e, ao ser pensado e executado, abre caminho para a libertação do homem da natureza. Ao “criar” o mundo, o homem tenta romper sua mortalidade ao mostrar que o que ele faz pode tornar-se “imortal” ou, pelo menos, sobreviver por muito tempo. Aqui, o animal repulsivo põe fim ao processo tornando sua obra delinqüente, i.é, ele mesmo deseja perpetuar-se , não importando os meios para fazê-lo, mesmo que os meios destruam suas próprias obras. Vê-se muito as identidades sendo reformuladas de modo constante, sem nenhuma preocupação com as experiências relacionais. Como pode um indivíduo que nega o direito de manifestação a um certo grupo oferecer-se para integrar esse mesmo grupo num determinado movimento histórico? Pode ele ter mudado tão drasticamente, da negação à aprovação? Se fixarmos a reflexão num certo contexto, teremos a constatação de que tal indivíduo não mudou, tampouco está aprovando o grupo, mas apenas aproveitando de uma oportunidade de seu interesse próprio (oportunismo). O homo pestis joga com as oportunidades para estabelecer um domínio sobre as possibilidades que lhe aparecem.

Como afirma Lebret, “é preciso propor aos homens um grande objetivo”, capaz de fazê-lo nobre em sua própria e inequívoca identidade. Refletir sobre o que estamos fazendo é indiscutivelmente a melhor estratégia para sabermos se estamos nos tornando homo pestis ou se estamos reestruturando a nossa existência a partir da idéia de homo frater, aquele que vive e se comporta impecavelmente nas cadeias relacionais. O homem é constantemente lançado ao mundo, onde a ação e o discurso revelam sua identidade, uns aos outros, na cadeia das relações intersubjetivas, penetrando no autentico espaço político, na polis, como diria L. R. Benedetti, no qual a consciência crítica torna o homem um ser para a liberdade, adquirindo sua plena identidade pessoal. O homem que não traduz sua identidade no seu agir, torna-se profundamente repulsivo, intrinsecamente pestis de sua raça.


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