segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Francisco...

“O milagre acontece quando a vontade dos homens é a vontade de Deus.”
João XXIII



São Francisco, escrevo estas palavras em sinal de admiração e do profundo respeito que tenho por tua história. Nos grupos de jovens, deste imenso Brasil, a juventude tem o carinhoso costume de chamar-te de “Chico”; peço, então, a permissão para chamar-te assim. Foi com este nome que pela primeira vez ouvi tua mensagem falar dentro de mim. Talvez, não sei por que, aquele chamado que tu ouviste ecoou de maneira surpreendente em meu coração: “Minha Igreja está em ruínas, vá e reconstrua a minha Igreja!” Não quis mudar a Igreja conforme ela precisava ser mudada. Mas tu a transformou intensamente. Deixaste o Cristo modificar-te intimamente e, a partir de tua conversão, transformaste aqueles que de ti se aproximavam. Bem aventurado aquele que, presenteado com uma flor, partilha com todos o seu perfume.

Irmão Chico, a Igreja de nosso Irmão Jesus mudou muito. O povo está mais consciente de sua participação e de sua importância. Os padres, em sua grande maioria, desceram dos púlpitos e estão mais próximos das pessoas. Apesar de alguns exemplos contrários, a Igreja, enfim, optou pelos pobres da Terra. O clero deixou a sacristia e foi fazer passeata em favor dos direitos da vida e da liberdade. A Igreja aproximou mais sensivelmente sua ação ao Evangelho de Cristo, a Boa Nova que tu também seguias. Mas Chico, nem tudo é alegria para nós. Ainda persistem as rachaduras e a imensa distância entre pregação e vida. Ainda há ruínas em nossa Igreja.

Dias atrás uma mãe procurou-me para falar de seu filho. Um jovem bonito, com 19 anos de idade, participante de um grupo de jovens e freqüentador assíduo das Missas de Domingo. Havia três dias que estava trancado em seu quarto, fugindo do mundo, entregue às drogas. A mãe, desesperada, não sabia mais o que fazer. Fui ter com ele e depois de quatro dias ele abriu a porta do quarto. Estava com os olhos fundos e vermelhos, pálido e gelado como um corpo morto. Apenas uma pergunta e uma resposta. Eu: “Por que isso?”; ele: “Me sinto sozinho!”

Hoje, meu irmão, as pessoas estão em profundo e sistemático desencontro. Tu não imaginas o quão difícil é reunir visinhos, amigos, pais e filhos. Grupos eles têm de monte, mas desaprenderam a encontrar-se verdadeiramente. Falam de tudo e de todos, menos de si mesmos. Querem saber de todas as notícias, mas não querem perder um minuto sequer para ouvir o que o outro tem a falar. Muitos abraçam, mas poucos descobriram o poder de um abraço. Hoje os abraços estão maliciosos e interesseiros. Como isso me machuca! Sei muito bem que em tua época as coisas também eram difíceis, as relações de opressão eram infinitas. Contudo, ainda havia espaço para o “eu”; em minha época, as pessoas não se importam nem consigo mesmas.

São as rachaduras de nossa Igreja, fortemente marcada pelo ritualismo vazio, pelo sentido sem sentido, pela hipocrisia, pela falta de acolhida e pela mecanização das relações. Não há mais os “moralismos” que afastaram milhares de (in)fiéis durante anos. No entanto, em muitos lugares, instalou-se como um problema crônico a falta de moral e de decência. Os padres falam mas não são ouvidos. Nós, enquanto Igreja, estamos errando muito na maneira de agir com o nosso povo. Lembra-te dos votos? Pois é, a pobreza não cabe mais nos dicionários de muitos religiosos; a obediência só é lembrada quando as “autoridades” sentem o perigo das críticas; a castidade virou sinônimo de celibato, não mais se ensina o respeito pelos outros e por si mesmo, a fidelidade, a honestidade e a mansidão. Sim, estamos errando de maneira insuportável. Se um jovem que não faz parte da comunidade eclesial se perde pelo caminho, é triste e doloroso, porém entendemos que ele não tinha para onde ir. Mas quando um jovem, membro da Igreja, se perde desta maneira, é sinal de que não estamos oferecendo sequer o necessário. Lembrei-me agora que tu dizias que o necessário era apenas Deus. Provavelmente, irmão Chico, não estamos sendo sinal de Deus na vida da Igreja. Muito triste!

Precisamos rezar mais. Talvez um bom exemplo de prece seja aquela bonita oração, que não sei se realmente é tua, mas que simplifica a nossa missão: “Mestre, fazei que eu procure mais consolar que ser consolado; compreender que ser compreendido; amar que ser amado”. Precisamos acreditar mais em milagres, como tu acreditavas. O mundo é tão frágil sem milagres, a liturgia é tão vazia sem milagres, a vida é tão salgada se não se abrir para o milagre de Deus. Fazer a vontade do Pai, ter a mesma vontade de Deus, eis o milagre.

Irmão Chico, perdoe-me pelo desabafo. Mas dói muito ver que estamos perdendo oportunidades reais de salvar vidas para nos preocupar, entre outros, com o tamanho e a cor da toalha da Mesa na qual Cristo se doa incondicionalmente. Pesa-me, sobretudo, minha insignificância para querer mudar e criticar tais coisas. Tu não te preocupavas em falar porque sabia de tua insignificância diante dos grandes e importantes. Mas falava e ensinava como um santo e incomodava feito um profeta. Tu não te vias como grande, mas há quem te comparasse a uma “pedra de escândalo”, maior grandeza entre os que seguem a Pedra que os pedreiros rejeitaram. Obrigado por teu exemplo, irmão Chico, amado Chico, São Francisco.

Paz e Bem!

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