Anuncia-se na Arquidiocese de Campinas um grande evento: O cruzeiro católico. Evento que acontecerá entre os dias nove e doze de fevereiro do próximo ano e que contará com a presença de padres-cantores, artistas católicos, além de centenas de padres que atenderão confissões, celebrarão missas e perderão seu precioso tempo, tão apertado para seus paroquianos, numa viagem de quatro dias com a nata dos católicos da região e até de outros estados. Evento grandioso para poucas pessoas, como toda e qualquer iniciativa de bons católicos. Inclusive, alguns padres de Campinas irão nesta viagem. Direito à folga e ao descanso, dirão alguns. Missão de evangelizar em qualquer lugar, outros responderão. Ilusão dos católicos desprovidos da mesma “fé” daqueles que embarcarão neste memorável acontecimento.
Por Arquidiocese de Campinas compreende-se, além de Campinas, as cidades de Elias Fausto, Hortolândia, Indaiatuba, Monte Mor, Paulínia, Sumaré, Valinhos e Vinhedo. Estamos inseridos numa realidade imensamente desafiadora, mesmo que para alguns esta palavra não passe de teoria. A grande maioria das comunidades da Arquidiocese é pobre e necessita de um cuidado todo especial, devido à carência de seu povo. Até mesmo muitas comunidades ainda não são assistidas pela Igreja Local. Ora, será que há algum tipo de engano nessa constatação? Será que estou enganado quando afirmo que centenas de fiéis, toda semana, saem de suas comunidades em direção ao centro de Campinas para poder encontrar algum padre para confessá-los? E aqueles padres que deixam a campainha tocando ou as pessoas batendo em suas portas até cansarem, pois precisam descansar, não têm tempo de atendê-los. Muitos desses padres irão ao cruzeiro. Como que por milagre encontraram tempo em suas abarrotadas agendas.
E o que dizer daqueles católicos que dariam tudo para poder encontrar o tal do padre Fábio de Melo? Ora, um ícone do presbitério brasileiro cuja fama chegou à maioria das casas de nossa pobre Campinas. Poderão eles participar deste evento? Penso que não, pois não possuem a “fé” financeira da nata católica, ainda trabalham todos os dias, inclusive aos finais de semana. Pobres católicos, não poderão participar de um cruzeiro católico. Outras coisas me incomodam, como por exemplo, aqueles padres que negam ajuda financeira aos grupos de jovens de suas paróquias, aos pedintes na porta de suas casas e nas escadarias de suas igrejas, aos vicentinos e à pastoral da criança, sem esquecer-se da tão maltratada catequese. De onde tirarão dinheiro para pagar esse passeio tão religioso e tão construtivo? Alguns pagarão em suaves prestações (prestações que poderiam suavizar a fome de muitos moradores de rua), outros ganharão entrada franca (vencidos pela soberba). E nosso povo – o povão mesmo – que mantém nossa Igreja viva, quatro dias sem seu líder espiritual. Se algum desses fiéis faltarem no trabalho, não receberão por este dia. Será que algum padre terá descontado quatro dias de seu salário? E tem mais os leigos católicos, fervorosos e ricos, que gastam em nome da fé, coisa linda de se ver! Quiçá possuam a mesma caridade quando lhes pedem um prato de comida. Muitos deles defenderão este evento como se fosse obra de Deus, desejaria que defendessem os filhos de Deus com a mesma intensidade.
Esta situação faz-me recordar as palavras de Jesus quando se deparou com o comércio no qual tinha se transformado o Templo Santo de Israel: “Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!”. Ou ainda: “... ai daquele que causar escândalos! Melhor lhe fora ser lançado ao mar com uma pedra de moinho enfiada no pescoço do que escandalizar um só destes pequeninos”. A Igreja (morada de Deus) transformou- se em comércio, em ponto de venda de mercadoria, sendo esta o próprio Deus. Percebo claramente que nesta situação, como em muitas outras, o dinheiro foi colocado como condição para a evangelização: se o tenho, então posso partir junto com outros que o têm; se não o tenho, então sou mais um dos milhões que ficam. No entanto, não é preciso que todos vão neste cruzeiro, ele não foi feito pensando em todos. Sim, disso eu já sabia, mas por que o título de católico? Cada dia que passa este título me deixa com mais vergonha. “Ninguém pode servir a dois senhores”.
Já nos dizia Paulo VI, em sua carta Octagesima Adveniens: “Os mais favorecidos devem renunciar a alguns de seus direitos, para poderem colocar, com mais liberdade, os seus bens ao serviço dos outros”. E mais contundente em sua encíclica Populorum Progressio: “Estará o rico pronto a dar do seu dinheiro para sustentar as obras e missões organizadas em favor dos mais pobres?” e ainda, “Quando tantos povos têm fome, tantos lares vivem na miséria, tantos homens permanecem mergulhados na ignorância, tantas escolas, hospitais e habitações, dignas deste nome, ficam por construir, torna-se um escândalo intolerável qualquer esbanjamento, qualquer gasto de ostentação...”. Vê-se que um católico de verdade deveria envergonhar- se de uma situação tão constrangedora como essa. Não só deste cruzeiro, mas de tantas outras formas de esbanjamento que padres e leigos católicos realizam durante todo o ano e todos os anos.
Como católico sinto-me profundamente decepcionado com este comércio em que transformamos a nossa Igreja. Dando mais importância à venda de CDs do que à reestruturação da pessoa humana. Estou envergonhado em saber que muitos padres apóiam este evento que só enriquecerá a agência responsável pelo passeio e de nada acrescentará à missão evangelizadora de nossa Arquidiocese. Sinto-me mais ressentido ao comparar o apoio dado a este evento com o apoio que nossas pastorais sociais recebem de grande parte de nosso clero. Infelizmente não entenderam o que Jesus queria dizer com estas palavras: “Avancem para águas mais profundas, e lancem as redes para a pesca”. Que este cruzeiro seja abençoado por Deus, pois somente ele é quem poderá julgar os atos e omissões de quem quer que seja. Mas que nossas consciências sejam aguçadas para refletirmos o principal objetivo deste “cruzeiro católico”, e para o que a Igreja está sendo usada.
Maycon Mazzaro