sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Natal

Recebi um cartão de natal de um companheiro, nele pedia perdão por tanta desigualdade celebrada nesta data santa. Pedia perdão por esbanjarmos tanto enquanto milhões de pessoas vivem na miséria. Que natal podemos celebrar em nossas casas, com nossas ceias e abraços apertados, quando, no mesmo momento, há crianças abandonadas pelas ruas de nossas cidades? Enquanto trocamos presentes e comemos do melhor, adolescentes e jovens fumam crack e cheiram pó nas biqueiras e esquinas dos centros e periferias. Mas não digo que perdemos o verdadeiro sentido do natal, o que perdemos foi nossa humanidade.

Jesus nasceu na rua, fora de casa, entre animais, num curral “porque não havia lugar para sua família na pousada”. No evangelho vemos claramente que Jesus “veio para o que era seu e os seus não o receberam”. Esta é a sua missão fundamental: estar junto dos sem teto, dos sem terra, dos que não possuem lugar social. É exatamente para eles que Deus dirige, primeiramente, sua Palavra. Esta é a certeza da encarnação do Criador: Ele se identifica com os que não têm onde repousar a cabeça.

Todos os dias vemos a realidade chocante de milhões de crianças abandonadas, sofrendo as dores das ruas, sobrevivendo de pequenos furtos, ameaçando a tranqüilidade daqueles que os esqueceram. Deparamos-nos com a situação de violência de milhões de meninas que se prostituem para ajudar em casa, meninas que não vêem outra possibilidade de vida ou que são obrigadas a vender seus corpos por míseros trocados. São os negros que carregam no corpo e na alma as chagas da discriminação. São aqueles indígenas que sobreviveram ao genocídio do “descobrimento”, expulsos das terras que por direito natural sempre foram suas. São os milhões de sem-terras que, revivendo a história de Abraão, caminham pelas estradas marginais da sociedade em busca de terra para morar e trabalhar. Quantos trabalhadores, empobrecidos historicamente, que ainda se sentem privilegiados por serem explorados pelo capitalismo, ao mero preço de uma carteira assinada e dos magros benefícios da previdência social. São os servidores explorados e abusados pelo descaso imenso com que os empregadores lhes tratam, tirando-lhes o direito de pensar, de querer algo melhor para suas vidas.

Aqui estão os esquecidos, aqueles com os quais Deus se identifica, irmãos e irmãs mais pequenos de seu Filho, encarnado em nossa miséria. Eles gritam em preces e lamentos o mesmo sofrimento que o povo hebreu sentiu no Egito: “Queremos viver! Até quando, Senhor, até quando nos fazes esperar a tua vinda, tua justiça e ternura, tua paz?”

O Natal é o momento em que estas lamentações foram ouvidas. Deus deixa sua luz inacessível e seu sacrossanto mistério e faz morada no meio dos humilhados e ofendidos. Faz-se criança que chora entre animais, nas calçadas de Belém. É Cristo que diz aos miseráveis: “Vocês são meus irmãos e irmãs, filhos e filhas do meu Pai querido. Para vocês eu quero ser o Deus presente. Enxugarei todas as lagrimas de seus olhos e serei a vida e o direito que tanto buscam. Meu nome é Jesus, o Deus Libertador, alegria para todo o povo”.

A cada ano, em todo Natal, Deus procura em cada um de nós uma nova manjedoura, um presépio vivo, no qual possa nascer. E também no qual possa confiar o cuidado de seus filhos pequenos.

Meus irmãos e irmãs, nesse dia precisamos olhar para nossos morros, favelas, para os pobres de nossas ruas. Olhar profundo, com a fé que recebemos e que experimentamos no dia-a-dia de nossa vida: Os miseráveis estão grávidos de Jesus Cristo, que quer nascer de novo através da solidariedade, da compaixão, da fraternura e do amor.

Façamos a nossa parte neste Natal, sejamos para os empobrecidos a presença de Jesus Ressuscitado, o presépio onde possam ser abraçados e tenham onde repousar a cabeça.

De nada vale Jesus nascer em Belém
Se
não nascer em ti de novo.

Não o busques no além.
Faça-o nascer do povo.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Sofrimentos...

Quantas pessoas não se entregam todo dia ao sofrimento? Não estamos preparados para ele. Nunca estivemos. O grande problema do homem é o medo de ser humano. Nossos limites nos mostram que somos inacabados, que necessitamos de amadurecimento e que nossas raízes devem ser cuidadas todos os dias. A negação do limite pessoal nos impõe o sofrimento de nos sentir fracassados, frustrados com o que não deu certo, com o que passou do limite.

O medo que temos de assumir a nossa limitação, a nossa condição humana, torna nosso sofrimento cada vez mais forte. E o cuidado que temos de ter é o de não assumirmos o sofrimento como condição vital. Dizia Nietzsche que quem luta com monstros deve ter cuidado para não se transformar em monstro. O sofrimento é o monstro que aterroriza aqueles que nele acreditam. É o fantasma que ronda nossos sonhos e que se alimenta abundantemente dos nossos medos. Devemos olhar nos olhos desses fantasmas e decidir se eles realmente merecem tamanho respeito.

O medo de sermos limitados não pode impedir que nossas vidas continuem. A dor que o sofrimento emplaca não pode ser maior que a esperança de superá-la. Se olharmos muito tempo para o abismo, o abismo também olhará para dentro de nós. E isso nos impede a possibilidade de viver.

Viver é a capacidade de transformar-se a cada dia. Mudar. Reformar o que está ruim. Se entendermos que nossos limites são importantes para nosso crescimento, aprenderemos a lidar com nossas mágoas e decepções. Se confiarmos que possuímos o potencial de curar feridas, seremos capazes de ultrapassar barreiras e vencer sofrimentos. O principal de tudo isso é acreditarmos em nós mesmos e nas possibilidades de transformação que aparecem em todos os momentos de nossa vida.

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