sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O DIÁLOGO DOS PÁSSAROS

“Os limites da minha linguagem
denotam os limites do meu mundo.”
(Wittgenstein...)


Ao iniciar esta reflexão que não pretende ser uma coisa muito estruturada, quero expressar meus sentimentos ao tratar do Diálogo e minha teimosa esperança ao tratar dos “pássaros”. Tenho para mim que o Diálogo ocupa um lugar particular e preciosíssimo na vida do humano. Sua função primária é ser sacramento universal de comunhão, mensageiro dos valores incomensuráveis do Reino. É no Diálogo que encontramos a fronteira para o outro: podemos transpor tal fronteira ou nela encerrarmos a caminhada. Os “pássaros” são figuras do entendimento do humano que o transportam para o mundo da imaginação. Ser pássaro é saber voar, ser livre e aproveitar cada espaço no qual pode cantar. Também pode ser um sacramento se visto como sinal de comunhão. Mas onde e como pode um pássaro ser sinal de comunhão? Os pássaros dialogam entre si e com a natureza, não obstante tocam os ouvidos humanos com cantares de beleza singular. Emprestando um escrito de Ramon Llull, “... estava o pássaro no jardim do Amado e veio o amigo e disse ao pássaro: ‘se não nos compreendemos por linguagem, compreendamo-nos pelo amor, pois teu canto revela aos meus olhos meu Amado’”. Este é o sinal que percebo nos pássaros, seus cantos inspiram liberdade, sua liberdade inspira-me a Deus.

Cada pássaro tem uma vocação a cumprir. E a vocação de cada um deles representa uma contribuição irrepreensível à natureza. Como escreveu Antoine Saint-Exupéry, “se cada tijolo não estiver no seu lugar, não haverá construção”. Eles não escolhem os melhores tijolos para a construção que almejam, mas usufruem de todas as asas e bicos de que dispõem. Cada pássaro deve cumprir sua vocação. A linguagem usada para esse serviço é a do bem-comum. Todos os pássaros trabalham para a edificação de sua Casa. Não diferenciam ou escolhem os que desfrutarão de seus esforços, mas doam sua energia para aqueles que podem, de alguma forma, ajudá-los a serem mais pássaros. Arrisco chamar tal diálogo-serviço de amor. Pois é uma forma de ajudar o Criador a continuar construindo sua Obra. É linguagem fronteiriça, pela qual delimitamos o nosso mundo e re-iniciamos sua construção.

Acontece que para o humano essa fronteira significa limite extremo. Como é difícil para o humano perceber que o Diálogo pode construir novos céus e nova terra! Parece que estamos fadados ao exclusivismo, à escolha medíocre de conceber o mundo apenas sob o aspecto dos “meus” olhos. O humano tem a infeliz capacidade de não dialogar, mas de viver monologamente mesmo rodeado de gente. Voltando ao prisma de uma construção, a tentativa humana de chegar ao término da obra sempre esbarra na sua tentativa de ser “eu” e não “nós”. Sem o Diálogo a construção tende a desmoronar. Diferentemente dos pássaros, o humano escolhe os melhores tijolos para sua construção, também escolhem os braços que mais os agradam. Essa escolha impede que cada humano cumpra sua vocação, permitindo que certos humanos elejam a vocação de outros humanos. A linguagem usada aqui é a da autossatisfação, do egoísmo e da falta de solidariedade. Alguns humanos devem trabalhar para a edificação da casa de outros poucos. A doação e o diálogo só são vividos com aqueles que estão moldados ao meu pensamento e ao meu modo de vida. Aqui o amor tem uma denotação plural: o amor que não está ininterruptamente construindo, está continuamente destruindo. O amor que não brota, morre.

Penso que o que falta ao humano para que conquiste a liberdade dos pássaros seja exatamente o Diálogo. Tive uma experiência muito curiosa nos poucos dias que passei com minha família nas férias. Meu avô ganhou dois passarinhos e os pôs cada um em uma gaiola. Ambos cantavam sem parar, da mesma forma que os passarinhos que voavam livres em meios às árvores. Por muitas vezes pus-me a ouvir seus cantos e comecei a diferenciar o canto dos passarinhos presos com o dos livres. Os cantares dos que estavam nas gaiolas eram amargurados, pareciam preces intermináveis. Percebi então que presos ou livres os pássaros não param de cantar. Os livres cantam sua liberdade, seu direito de voar e de ter com outros pássaros. Os presos cantam seu sofrimento, sua ânsia de voar. Ao cantar, outros passarinhos vinham observá-los, como uma visita esperada. Logo o quintal de casa estava repleto de rolinhas, pardais, beija-flores e cardeais. Confesso que em certo momento imaginei-me numa grande Eucaristia, celebração da vida daqueles que desejam a liberdade.

O humano, bicho estranho e sem lógica. Quando triste não canta, se magoado não canta, como também não canta em sua autoprisão. Prefere o silêncio de sua gaiola ao Diálogo dos pássaros. Pobre humano, perde sem saber a chance de fazer o amor brotar. Só será ouvido aquele que falar. O entendimento só acontece quando há amor, Diálogo é essencial. Os pássaros têm coragem de cantar porque sabem que a força dialogal de seu canto pode transpor fronteiras. Mesmo sabendo que seu canto não pode libertá-los fisicamente, cantam porque os outros pássaros – os livres – trabalham juntos para a edificação da Casa comum, nesse caso, a Liberdade. Poderiam estar voando alto e longe, mas doam seu direito de voar para aqueles que estão os ajudando a serem mais pássaros. O humano põe limite ao seu cantar, por isso seu mundo é tão pequeno. Os pássaros, ah, os pássaros não conhecem limites para seus cantares, por isso podem se gabar de ter o mundo todo como Casa.

Por fim, os passarinhos continuaram presos, porém,
conheceram o magnífico significado de serem Pássaros...

2 comentários:

Thiago D. Castro disse...

Olha cada dia mais você se supera!!!
O texto me fez questionar alguns aspectos de minha vida... Lembrei da história da Águia e da Galinha quando li o texto...
Abraços!!!

Luciano disse...

Texto magnífico! Sem palavras... uma verdadeira moldura para as nossas vidas.

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