E logo o Espírito o impeliu para o deserto.
[Mc 1, 12]
Estamos vivendo um momento especial na Liturgia da Igreja: a Quaresma. Momento de conversão e jejum, tempo forte para a oração e o desprendimento. Considero este tempo como sendo um período favorável ao encontro pessoal e íntimo com o Criador, no qual nos apresentamos sem máscaras e com o intenso anseio de mudar de vida. É o Espírito do Senhor que nos leva ao deserto de nossa vida, lugar de solidão e do despojamento radical, no qual experimentamos, de modo também radical, a ação de nosso Ego, inflado e ferozmente mordaz.
É nesse “retirar-se” que habita o nosso maior inimigo, causador de todos os males e sedutor das consciências mais singelas. O encontro com Deus não acontece sem antes encontrar-se consigo mesmo. É o caminho exigente da busca que leva à experiência do encontro. Este deserto faz parte da condição do espírito humano. É o sentir o vazio, a solidão, a frustração, a rotina e a angústia de nossas vidas secas e confusas. É da condição humana a sensação do deserto. Podemos estar rodeados de milhares de pessoas, com mil afazeres, mas nos sentiremos sós, entediados e com a irritante vontade de gritar.
O Tempo do Deserto é o tempo em que as seduções tornam-se mais acentuadas. O orgulho, a mesquinhez, o desejo insano por poder e riqueza, levam-nos ao distanciamento das pessoas, mostram-nos como somos suscetíveis de cair na tentação do ter, do acumular e, como somos capazes de desprezar o chamado de Deus. Jesus também passou por essa tentação: “O diabo, levando-o para mais alto, mostrou-lhe num instante todos os reinos da terra e disse-lhe: ‘Eu te darei todo este poder com a glória destes reinos... se te prostrares diante de mim, toda ela será tua” [Lc 4,5-7]. No deserto, o Ego torna-se o nosso maior obstáculo para encontrar a Deus. Pensamos demais em nossas insuficiências, em nossas necessidades e desejos, e partimos para o fenômeno da Egolatria: o diabo, o que nos distancia de Deus, é o nosso próprio Ego, isto é, sou eu mesmo que, em vez de construir uma ponte para Deus, construo um muro intransponível que não me deixa encontrá-lo. Será que não estou prostrando-me demasiadamente a mim mesmo ao invés de dizer como Jesus: “Adorarás ao Senhor teu Deus, e só a ele prestarás culto”?
O Deserto é lugar da sedução do tentador. Contudo, é lugar também do encontro consigo mesmo. Só após o deserto, do “viver entre as feras”, é que podemos conhecer as nossas forças e limites, nossas fraquezas e nossa própria fé. O conhecimento de si leva ao conhecimento da experiência de Deus em nossa vida. É o Espírito que nos impele a retirar-nos de nós mesmos para, enfim, deixá-lo agir em nossos corações.
A Quaresma é tempo de conversão, que não é apenas renunciar ao pecado, mas, sobretudo, reconhecer-se necessitado de Deus, é estar aberto à transformação interior e, a partir do encontro consigo mesmo, orientar de um modo novo a própria vida à caminho do encontro amoroso de Deus.
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