terça-feira, 31 de março de 2009

QUANDO RE-PARTIMOS O PÃO


“Jesus na cruz iniciou uma Revolução. A Revolução de vocês deve
começar na mesa eucarística e daí ser levada para frente. Assim vocês poderão
Renovar a humanidade”.
François-Xavier Nguyen Van Thuan



A imagem de Jesus crucificado que está no centro da liturgia da Sexta-Feira Santa revela toda a gravidade da miséria, do pecado, a angústia humana. Realizou-se nele a palavra do profeta de que as nossas feridas pesavam sobre ele, martirizado em todo o corpo pelo tormento dos pecados dos homens. Imagem essa que não significa a transferência meramente divina de nossos sofrimentos para o Cristo, mas, sobretudo, mostra um Deus que sofre junto com seus filhos, as mesmas dores e que maltratado que foi, tornou-se um com todos os maltratados da história. É a misericórdia – o sofrer a miséria junto com os miseráveis.


Uma coisa me deixa triste nesta imagem: o Jesus crucificado que eternizando a miséria do mundo, legitima o sofrimento como um desejo de Deus. A cruz não é isso! Apesar daqueles que preferem reduzi-la ao “Cristo já fez tudo, não precisamos fazer mais nada”, ainda reside em seu significado a doação total de Cristo pela humanidade. Doação realizada em vida, na caminhada histórica e libertadora de Jesus de Nazaré, cujo resultado fora a sua perseguição, prisão e seu assassinato. Isso nos leva à certeza de que, assim como Jesus, precisamos doar a nossa vida pela dignidade dos crucificados deste mundo, mesmo que essa doação nos leve também à cruz. E ela só pode ser suportada, sofrida, com Jesus, aquele que a sofreu por nós e conosco.



Na cruz, Jesus inaugura a paixão redentora: “Meu Deus, Meus Deus, por que me abandonas nesta hora?” É o grito do filho que sofre o temor de ser abandonado por seu pai. É o momento da angústia humana da qual Jesus não fugiu, sua fraqueza e fragilidade demonstram o quanto ele foi forte: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. A morte de Jesus é a conseqüência de sua vida e opção, voltada para os miseráveis e oprimidos, o que provocou a violência dos que baseiam suas relações na riqueza, estatus e no poder. A cruz, de instrumento de vergonha e ultraje para os judeus, de condenação para os romanos, tornou-se símbolo máximo da verdadeira Revolução que o Cristo trouxe ao mundo.



Em meu último aniversário fui presenteado, por um grande Amigo, com um livro de dom François-Xavier Nguyen Van Thuan, intitulado Cinco Pães e Dois Peixes. Neste livro, uma frase me chama a atenção, mais que qualquer outra, pois exprime fidedignamente o significado da cruz: “A força do amor de Jesus é irreversível.” Sim, uma vida vivida plenamente no Amor é mais forte que a morte. É semente que germina na terra durante uma grande tempestade.



Jesus inicia, então, uma Revolução do gênero humano, e pede a nós que também sejamos essa Revolução cotidianamente. Depois de muito tempo acreditando que uma revolução só era imaginável a partir da luta, do enfrentamento que, percebi, nos torna iguais àqueles que violentam o homem, compreendo agora que a verdadeira Revolução só é possível quando vivida dentro de nós, no dia-a-dia de nossas relações, e por nós transmitidas ao mundo por meio da doação e do testemunho de homem que somos – humanos!.



Quando Jesus partilhou da refeição com seus Amigos pela última vez, sacramentou toda sua vida de doação e de compromisso no repartir do pão. A razão de existir do pão é a de ser consumido, manducado. O pão não serve para mais nada a não ser para isso. Jesus se identifica com o pão: “Eu sou o pão da vida”. Ao fazê-lo, Jesus anuncia qual a razão de sua missão: Ser consumido! Mas, diferentemente do pão do trigo, que era consumido por poucos, Jesus desejou ser sustento para todos. “Jesus tomou um pão, agradeceu a Deus, o partiu e distribuiu a todos eles, dizendo: ‘Isto é o meu corpo, que é dado por vocês’”. Estava Jesus a sacramentar no pão toda a sua vida. É como se dissesse: Vejam! Esta é a minha vida, partilhada e doada a todos vocês. É a Revolução do partir e re-partir o pão, até que todos estejam satisfeitos. Esta Revolução foi hasteada na cruz, e Jesus nos pede que, a partir da mesa do pão, a exalemos por todos os cantos da Terra: “Façam isto em minha memória”.



Quando recebo o Corpo de Cristo, sacramentado no Pão Eucarístico, e o distribuo como comunhão, devo entregar-me junto ao Cristo para fazer de mim alimento para todos, a fim de que todos se saciem do pão que devo ser. Isto significa que devo estar totalmente a serviço dos outros, como Jesus Cristo esteve e ainda está. A Revolução do Partir e Re-partir o Pão deve nos levar a enxergar a cruz de Jesus como sendo nossa. Não mais considerá-la penduricalho e anestesia, vergonha e não-compromisso. A verdadeira Revolução inicia-se na cruz, passa pela mesa da eucaristia, e se concretiza em nossas ações no mundo. A Eucaristia, instituída como serviço no dia que antecede a morte de Jesus, é a fonte e o caminho para a Paz, que é a plenitude da Justiça.



Lembro-me de uma frase do padre Zezinho, que diz: “Há muitos jovens vazios, porque há poucos adultos transbordando”. Que esta Semana Santa nos torne mais humanos, transbordantes de Deus, para fazê-lo também transbordar em outras pessoas. Deixemos que esta liturgia da Maior Semana nos torne, enfim, eucaristizados.



Maycon Mazzaro

terça-feira, 3 de março de 2009

QUARESMA: TEMPO DO ENCONTRO COM DEUS E CONSIGO MESMO

E logo o Espírito o impeliu para o deserto.
[Mc 1, 12]

Estamos vivendo um momento especial na Liturgia da Igreja: a Quaresma. Momento de conversão e jejum, tempo forte para a oração e o desprendimento. Considero este tempo como sendo um período favorável ao encontro pessoal e íntimo com o Criador, no qual nos apresentamos sem máscaras e com o intenso anseio de mudar de vida. É o Espírito do Senhor que nos leva ao deserto de nossa vida, lugar de solidão e do despojamento radical, no qual experimentamos, de modo também radical, a ação de nosso Ego, inflado e ferozmente mordaz.

É nesse “retirar-se” que habita o nosso maior inimigo, causador de todos os males e sedutor das consciências mais singelas. O encontro com Deus não acontece sem antes encontrar-se consigo mesmo. É o caminho exigente da busca que leva à experiência do encontro. Este deserto faz parte da condição do espírito humano. É o sentir o vazio, a solidão, a frustração, a rotina e a angústia de nossas vidas secas e confusas. É da condição humana a sensação do deserto. Podemos estar rodeados de milhares de pessoas, com mil afazeres, mas nos sentiremos sós, entediados e com a irritante vontade de gritar.

O Tempo do Deserto é o tempo em que as seduções tornam-se mais acentuadas. O orgulho, a mesquinhez, o desejo insano por poder e riqueza, levam-nos ao distanciamento das pessoas, mostram-nos como somos suscetíveis de cair na tentação do ter, do acumular e, como somos capazes de desprezar o chamado de Deus. Jesus também passou por essa tentação: “O diabo, levando-o para mais alto, mostrou-lhe num instante todos os reinos da terra e disse-lhe: ‘Eu te darei todo este poder com a glória destes reinos... se te prostrares diante de mim, toda ela será tua” [Lc 4,5-7]. No deserto, o Ego torna-se o nosso maior obstáculo para encontrar a Deus. Pensamos demais em nossas insuficiências, em nossas necessidades e desejos, e partimos para o fenômeno da Egolatria: o diabo, o que nos distancia de Deus, é o nosso próprio Ego, isto é, sou eu mesmo que, em vez de construir uma ponte para Deus, construo um muro intransponível que não me deixa encontrá-lo. Será que não estou prostrando-me demasiadamente a mim mesmo ao invés de dizer como Jesus: “Adorarás ao Senhor teu Deus, e só a ele prestarás culto”?

O Deserto é lugar da sedução do tentador. Contudo, é lugar também do encontro consigo mesmo. Só após o deserto, do “viver entre as feras”, é que podemos conhecer as nossas forças e limites, nossas fraquezas e nossa própria fé. O conhecimento de si leva ao conhecimento da experiência de Deus em nossa vida. É o Espírito que nos impele a retirar-nos de nós mesmos para, enfim, deixá-lo agir em nossos corações.

A Quaresma é tempo de conversão, que não é apenas renunciar ao pecado, mas, sobretudo, reconhecer-se necessitado de Deus, é estar aberto à transformação interior e, a partir do encontro consigo mesmo, orientar de um modo novo a própria vida à caminho do encontro amoroso de Deus.

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