As nossas idealizações dizem que sim. Tal ideia parece responder ao desejo que o ser humano tem de encontrar no outro a solução para o que nele é imperfeito. Na busca da cura das consequências de nossas escolhas e, principalmente, de nossa precariedade, procuramos buscar nas pessoas o remédio para as nossas incompletudes.
Na filosofia aprendemos a conceituar o termo perfeição como aquilo que não necessita complemento, mudança ou transformação, isto é, o que está pronto. Nesta perspectiva, chegamos à conclusão que nenhuma pessoa pode ser considerada perfeita, afinal, somos todos inacabados. Eis a frustração daqueles que esperam encontrar pessoas perfeitas com as quais possam construir suas relações humanas.
Não deixamos de sentir as consequências de nossas imperfeições, o que nos leva a assumir o processo de aperfeiçoamento, a partir das oportunidades de superação que encontramos pela vida. Assim, quando encontramos o outro, devemos considerar que ele também está vivenciando este processo. Mesmo sendo inacabados, imperfeitos, não estamos condenados a permanecer estáticos diante da vida e das experiências nela contidas. Não estamos condenados a viver eternamente com os nossos defeitos. Só assim, num encontro de imperfeitos, nasce o verdadeiro desejo de juntos lapidarem suas humanidades, buscando uma harmonia, uma integração a qual podemos chamar de amor.
Mas que para isso ocorra é preciso deixar de lado nossas idealizações. Porém somos constantemente levados a questionar a imperfeição do outro. É uma contradição existencial. Não somos perfeitos, mas queremos realidades perfeitas. A idealização nos retira do contato com a realidade. O conflito se estabelece ainda mais quando percebemos que pessoas que se sabem imperfeitas estão constantemente buscando pessoas perfeitas. Começam a projetar umas nas outras suas necessidades, seus vazios. É a partir disso que os cativeiros são criados, e deles nascem as invariáveis, os condicionamentos.
A pessoa inicia um processo de invenção do outro. E todos sabem que inventar é uma forma de estabelecer cativeiros, uma vez que a disposição de si fica ameaçada. Aquele que inventa (idealiza) retira do inventado o direito de ser o que realmente é. Idealizar é uma forma de negar a realidade. O que passa a importar não é mais o que se é, mas a máscara que se usa. Como escreveu Fernando Pessoa: “Fiz de mim o que não soube, e o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era, e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, estava pregada à cara. Quando a tirei e me vi ao espelho, já tinha envelhecido”. O perigo deste cativeiro é que podemos nunca mais sair dele. A não autenticidade abre portas para os equívocos. Os outros nos idealizam e nós permitimos a idealização e suas inadequações. E, quando desejamos dizer a verdade, nem sempre temos a possibilidade.
O amor perfeito não existe, porque também não existem pessoas perfeitas. O que temos é a possibilidade de construir relações verdadeiras, autênticas. Máscaras não servem para mais nada além de esconder o que realmente existe. Enfeitar a realidade. Relações baseadas na verdade, no que concretamente existe, podem chegar mais próximo do que conhecemos como perfeição. Idealizações criam cativeiros que podem tornar-se definitivos. Mas podemos escolher em qual universo queremos viver o amor, nas ideias ou na humanidade. Temos a possibilidade de eternizar em nós o que realmente vale a pena e esquecer definitivamente aquilo que não vale...