“Em todo jovem, mesmo no mais rebelde, existe um ponto acessível ao bem; o primeiro dever do educador é descobrir este ponto, esta corda sensível do coração e tirar proveito disto”. O autor desta frase é considerado um dos maiores educadores de todos os tempos: São João Bosco.
Para aqueles educadores que acreditam no projeto de Dom Bosco, educar é estar presente na vida dos educandos, é amar os jovens e fazer com que eles se dêem conta de que são amados. Contudo, os que se empenham em educar nem sempre conseguem estabelecer laços com os que precisam ser educados e, mais, não conseguem encontrar o “ponto acessível” do qual falava Dom Bosco.
Apesar das dificuldades, a responsabilidade do educador é a de estar atento aos “discursos” existentes em meio às tribos juvenis. Tais discursos estão na família, na rua, na escola, nas resistências manifestas, nas preferências, na vestimenta e no comportamento, nos modos de viver a afetividade, nos grupos, nos medos que expressam, nas pichações, nas respostas que encontram para as perguntas que se fazem, no fenômeno religioso, na economia, na política, nas organizações das quais participam, enfim, nos “pátios” que Dom Bosco citava como lugar do agir-pedagógico dos educadores.
Os educadores não são reféns dos discursos juvenis, mas têm a função de contextualizar e problematizar, de mediar a construção do conhecimento, de ampliar o universo cultural e apontar possíveis saídas para as crises. Podemos dizer que estamos sendo convidados para uma honradez não só com a verdade, mas com a própria realidade. Recordo, neste contexto, comentários e reflexões que Jon Sobrino fez a partir do terremoto de El Salvador, em 2001. Ele fala do deixar a realidade falar e relembra Karl Rahner dizendo que “a realidade quer tomar a palavra”, isto é, “se a palavra se fez realidade (carne, sarx), a realidade quer fazer-se palavra”, sendo importante que se escute, também, a “geografia” onde se escuta a palavra da realidade. Segundo Sobrino, “chegar a ser humano é dar voz e palavra à realidade, quando esta é silenciada e oprimida, colaborar com sua balbuciação para que se transforme em palavra clara”. Falar em emergência e percepção de valores na juventude é falar de um terremoto em que ela está mergulhada como grito silenciado.
Quando a juventude acende a fogueira das manifestações radicais, sejam em protestos pseudopolíticos ou em infrações às leis civis, há, em todos esses casos, um grito abafado que só vem à tona através de ações que dêem visibilidade e causem certo transtorno a quem o grito é destinado. Em vista da juventude empobrecida de nossas periferias, o grito tem como destino a sociedade injusta e excludente que marginaliza seus sonhos e esperanças, contudo, ele é silenciado por outra parte da sociedade, que engana e escraviza, aparecendo, entre outros, nos rostos de partidos políticos, comunidades religiosas e sistemas educacionais falidos e vendidos.
Cabe aos educadores a difícil tarefa de transpor tudo aquilo que é sintoma deste grito e agir diretamente em sua causa. Todo ato maquiado por rebeldia trás em si um agente propulsor, que o leva a tal por não haver possibilidade de gritar contra seus “opressores”. Ao encontrarmos esta causa, talvez, poderemos também encontrar a “corda sensível” da qual falava Dom Bosco e, para isso, é necessário que haja afinidade, familiaridade entre educadores e educandos, ao ponto destes verem o educador como aquele para quem podem gritar sem serem punidos, mostrar suas fraquezas e não serem lesados. Familiaridade é sinônimo de confiança e essa só existe na medida em que o jovem se sente amado, cuidado e protegido.
“Não basta amar os jovens; é preciso que eles se sintam amados!” Dom Bosco sabia disso e, por isso, foi um grande educador, além de grande homem. Nós, educadores, precisamos ter coragem de agir com ousadia e ternura como ele agiu, para tocarmos, ao menos por alguns segundos, os corações de nossos educandos.