quarta-feira, 31 de março de 2010

Quinta-Feira Santa

Quando não houver saída
Quando não houver mais solução
Ainda há de haver saída
Nenhuma idéia vale uma vida!

Quando não houver esperança
Quando não restar nem ilusão
Ainda há de haver esperança
Em cada um de nós
Algo de uma criança!

Quando não houver caminho
Mesmo sem amor, sem direção
A sós ninguém está sozinho
É caminhando que se faz o caminho!

Quando não houver desejo
Quando não restar nem mesmo dor
Ainda há de haver desejo
Em cada um de nós
Aonde Deus colocou!


Meus queridos,

Amanhã é Quinta-Feira Santa, dia no qual Jesus demonstrou, com gestos e palavras, qual a missão de cada um de nós, seus seguidores. Há em Jesus uma forte sinalização, que leva milhões a acreditar em um Novo Céu e em uma Nova Terra. Sinalização que persiste existir apesar dos rumos desoladores que a humanidade escolheu seguir.

Quinta-Feira Santa, no Evangelho de São João, é um prenúncio de um novo jeito de ser e de fazer Igreja: a diaconía, o serviço-doação daqueles que querem verdadeiramente lutar por esse Novum. Jesus estabelece uma nova relação com seus discípulos: "Não chamo mais vocês de servos, mas de amigos!". Nos outros três Evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas), há a instituição da Eucaristia, a Nova e Eterna Aliança de Deus com a humanidade. Jesus surpreende a todos ao comparar-se ao pão repartido. Mesmo já tendo se comparado ao pão anteriormente, dessa vez foi diferente. Ele se comparava ao pão partido e re-partido, consumido por aqueles pelos quais morreu: É a semente de trigo que morre para dar frutos.
A Quinta-Feira Santa antecede o silêncio do Getsêmani, a hora máxima da angústia e da dúvida. "Pai, afasta de mim este cálice!". Momento no qual Jesus revelou plenamente sua humanidade, chorando de medo, apavorado, decepcionado. Momento da tristeza enraizada, da constatação de uma traição. Aqui o corpo goteja suor de sangue, é o ser humano no fundo do seu próprio poço. Da certeza do fracasso vem a coragem de assumir inteiramente suas dores e comprometer-se, ainda mais, com as dores do mundo: "Que não seja feita a minha vontade, mas a Tua!".

"Enquanto houver sol... ainda haverá!" A Quinta-Feira Santa traz a certeza da Fé. Enquanto houver um sol brilhando, todas as noites são passageiras. Dizia Pablo Picasso que "há pessoas que reduzem o sol a um mero pingo de tinta numa folha, porém, há aqueles que fazem de um simples pingo de tinta o próprio sol". Cada um de nós tem uma forma de ver o sol. Não importa qual seja essa forma, mas ele sempre estará lá, pronto para iluminar os nossos caminhos quando tudo estiver na escuridão. A Quinta-Feira Santa nos traz também a certeza de um Novo Sol, que será desvelado no domingo de Páscoa, após três dias de inquietante escuridão.

Uma Linda, Fraterna e Santa Quinta-Feira...

sexta-feira, 26 de março de 2010

Imagem do dia!





Hoje é tempo de ser feliz!

Um texto para reflexão de autoria do padre Fábio de Melo:

A vida é fruto da decisão de cada momento. Talvez seja por isso, que a idéia de plantio seja tão reveladora sobre a arte de viver.
Viver é plantar. É atitude de constante semeadura, de deixar cair na terra de nossa existência as mais diversas formas de sementes.
Cada escolha, por menor que seja, é uma forma de semente que lançamos sobre o canteiro que somos. Um dia, tudo o que agora silenciosamente plantamos, ou deixamos plantar em nós, será plantação que poderá ser vista de longe...
Para cada dia, o seu empenho. A sabedoria bíblica nos confirma isso, quando nos diz que "debaixo do céu há um tempo para cada coisa!".
Hoje, neste tempo que é seu, o futuro está sendo plantado. As escolhas que você procura, os amigos que você cultiva, as leituras que você faz, os valores que você abraça, os amores que você ama, tudo será determinante para a colheita futura.
Felicidade talvez seja isso: alegria de recolher da terra que somos, frutos que sejam agradáveis aos olhos! Infelicidade, talvez seja o contrário.
O que não podemos perder de vista é que a vida não é real fora do cultivo. Sempre é tempo de lançar sementes... Sempre é tempo de recolher frutos. Tudo ao mesmo tempo. Sementes de ontem, frutos de hoje, Sementes de hoje, frutos de amanhã!
Por isso, não perca de vista o que você anda escolhendo para deixar cair na sua terra. Cuidado com os semeadores que não lhe amam. Eles têm o poder de estragar o resultado de muitas coisas.
Cuidado com os semeadores que você não conhece. Há muita maldade escondida em sorrisos sedutores...
Cuidado com aqueles que deixam cair qualquer coisa sobre você, afinal, você merece muito mais que qualquer coisa.
Cuidado com os amores passageiros... eles costumam deixar marcas dolorosas que não passam...
Cuidado com os invasores do seu corpo... eles não costumam voltar para ajudar a consertar a desordem...
Cuidado com os olhares de quem não sabe lhe amar... eles costumam lhe fazer esquecer que você vale à pena...
Cuidado com as palavras mentirosas que esparramam por aí... elas costumam estragar o nosso referencial da verdade...
Cuidado com as vozes que insistem em lhe recordar os seus defeitos... elas costumam prejudicar a sua visão sobre si mesmo.
Não tenha medo de se olhar no espelho. É nessa cara safada que você tem, que Deus resolveu expressar mais uma vez, o amor que Ele tem pelo mundo.
Não desanime de você, ainda que a colheita de hoje não seja muito feliz.
Não coloque um ponto final nas suas esperanças. Ainda há muito que fazer, ainda há muito que plantar, e o que amar nessa vida.
Ao invés de ficar parado no que você fez de errado, olhe para frente, e veja o que ainda pode ser feito...
A vida ainda não terminou. E já dizia o poeta "que os sonhos não envelhecem...”. Vai em frente. Sorriso no rosto e firmeza nas decisões.
Deus resolveu reformar o mundo, e escolheu o seu coração para iniciar a reforma. Isso prova que Ele ainda acredita em você. E se Ele ainda acredita, quem sou eu pra duvidar?

quarta-feira, 24 de março de 2010

Um dia de liberdade

Em 1845, na estrada para Stupinigi, fora aberta uma nova prisão em Turim (Itália): a “Generala”. Era um reformatório, com capacidade para trezentos rapazes. Dom Bosco freqüentava-a regularmente. Procurava fazer-se amigo daqueles pobres rapazes, condenados (quase sempre) por roubo ou vadiagem.
Dividiam-se em três categorias: “vigiados especiais”, que à noite eram trancados em celas; “vigiados simples”, levados adiante apenas com os meios normais de uma prisão; “periclitantes”, que ali se achavam sós porque alguém, já cansado deles, os confiara à polícia. Passavam o tempo em trabalhos agrícolas ou em oficinas internas.
Na Quaresma de 1855, Dom Bosco deu a todos um caprichado curso de catecismo, seguido de três dias de Exercícios Espirituais, concluídos com uma confissão.
Dom Bosco ficou tão impressionado pela boa vontade geral que lhes prometeu “uma coisa excepcional”. Foi ao diretor e propôs-lhe organizar para os rapazes (abatidos pela reclusão) um belo passeio a Stupinigi.
– “Está mesmo falando sério, reverendo?” – exclamou o homenzinho espantado.
– “Com a maior seriedade do mundo”, retrucou padre Bosco.
– “E não sabe que eu sou responsável por aqueles que fugirem?”
– “Ninguém fugirá. Dou-lhes a minha palavra”.
– “Ouça”. Disse o diretor. “Não vamos gastar saliva à toa. Se quer essa licença, dirija-se ao Ministro”.
Dom Bosco foi ter com Rattazzi (ministro) e lhe expôs com tranqüilidade o seu projeto.
– “Pois não” – lhe disse o Ministro. – “Um passeio fará muito bem a esses jovens detentos. Darei as ordens necessárias para que, ao longo do caminho, se distribuam guarda à paisana em número suficiente”.
– “Isso não” – interveio decidido Dom Bosco. – “É a única condição que eu ponho: que nenhum guarda nos “proteja”. E vossa Excelência deve dar-me sua palavra de honra. O risco é meu: se alguém fugir, ficarei em seu lugar na cadeia”.
Ambos riram. Depois Rattazzi ficou sério:
– “Dom Bosco, entenda. Sem guardas, não trará de volta ninguém”.
– “E eu, ao contrário, lhe garanto que vou trazer todos de volta. Vamos apostar?”.
Rattazzi pensou um pouco.
– “Está bem. Aceito. Confio no senhor. Mas confio também nos guardas: em caso de fuga, não levarão muito tempo para recapturar esses frangotes”.
Dom Bosco voltou à Generala e anunciou o passeio. Uma explosão de alegria. Numa brecha de silêncio, Dom Bosco continuou:
– “Dei minha palavra: todos se comportarão bem, e nada de fugas. O Ministro também deu a sua: nada de guardas, nem fardados, nem à paisana. Agora chegou a vez da palavra de vocês: basta que um fuja e minha honra se vai. Não deixarão mais pôr os pés aqui dentro. Posso confiar?”.
Cochicharam lá algum tempo entre si. Depois os maiores disseram:
– “Damos a nossa palavra! Voltaremos todos! Nos comportaremos bem!”
O dia seguinte foi dia de sol e tempo limpo.
E lá se foram para Stupinigi, pelos caminhos dos campos. Pulavam, corriam, gritavam. Dom Bosco seguia em meio à pequena tropa, brincando e contando histórias. À frente de todos, ia o burro com as provisões.
Em Stupinigi, Dom Bosco celebrou a santa Missa. Depois, houve almoço ao ar livre, seguido de animadas partidas à margem do rio Sangone. Visitaram o parque e o castelo real. Houve merenda e, ao pôr-do-sol, o retorno. O burro estava livre e Dom Bosco cansado. Os rapazes fizeram-no montar e, puxando as rédeas e cantando, chegaram à Generala. O diretor apressou-se em contá-los. Estavam todos.
Houve um adeus triste no portão do cárcere: Dom Bosco se despediu de um por um e voltou para casa com um aperto no coração: só pudera libertá-los por um dia.
O Ministro, ao contrário, ao saber de tudo, ficou exultante como de um triunfo.
– “Por que é que o senhor consegue fazer essas coisas e nós não?” – perguntou a Dom Bosco um dia.
– “Porque o Estado manda e castiga. E é só isso o que pode fazer. Eu, ao contrário, quero bem a esses rapazes. E como sacerdote tenho uma força moral que Vossa Excelência não pode entender”.


BOSCO, Terésio. Dom Bosco: uma nova biografia.
São Paulo: Editora Salesiana. 6.ed. 2002. p319-321.
www.editorasalesiana.com.br

terça-feira, 23 de março de 2010

Dom Bosco: Apóstolo da Juventude

João Bosco nasceu no Colle dos Becchi, no Piemonte, Itália, uma localidade junto de Castelnuovo de Asti (agora chama-se Castelnuovo Dom Bosco) a 16 de agosto de 1815. Era filho de humilde família de camponeses. Órfão de pai aos dois anos, viveu sua mocidade e fez os primeiros estudos no meio de inumeráveis trabalhos e dificuldades. Desde os mais tenros anos sentiu-se impelido para o apostolado entre os companheiros. Sua mãe, que era analfabeta, mas rica de sabedoria cristã, com a palavra e com o exemplo animava-o no seu desejo de crescer virtuoso aos olhos de Deus e dos homens.
Mesmo diante de todas as dificuldades, João Bosco nunca desistiu. Durante um tempo foi obrigado a mendigar para manter os estudos. Prestou toda a espécie de serviços. Foi costureiro, sapateiro, ferreiro, carpinteiro e, ainda nos tempos livres, estudava música.

Queria vivamente ser sacerdote. Dizia: "Quando crescer quero ser sacerdote para tomar conta dos meninos. Os meninos são bons; se há meninos maus é porque não há quem cuide deles". A Divina Providência atendeu os seus anseios. Em 1835 entrou para o seminário de Chieri.

Ordenado Sacerdote a 5 de junho de 1841, principiou logo a dar provas do seu zelo apostólico, sob a direção de São José Cafasso, seu confessor. No dia 8 de dezembro desse mesmo ano, iniciou o seu apostolado juvenil em Turim, catequizando um humilde rapaz de nome Bartolomeu Garelli. Começava assim a obra dos Oratórios Festivos, destinada, em tempos difíceis, a preservar da ignorância religiosa e da corrupção, especialmente os filhos do povo.


Em 1846 estabeleceu-se definitivamente em Valdocco, bairro de Turim, onde fundou o Oratório de São Francisco de Sales. Ao Oratório juntou uma escola profissional, depois um ginásio, um internato etc. Em 1855 deu o nome de Salesianos aos seus colaboradores. Em 1859 fundou com os seus jovens salesianos a Sociedade ou Congregação Salesiana.

Com a ajuda de Santa Maria Domingas Mazzarello, fundou em 1872 o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora para a educação da juventude feminina. Em 1875 enviou a primeira turma de seus missionários para a América do Sul.

Foi ele quem mandou os salesianos para fundar o Colégio Santa Rosa em Niterói, primeira casa salesiana do Brasil, e o Liceu Coração de Jesus em São Paulo. Criou ainda a Associação dos Cooperadores Salesianos. Prodígio da Providência divina, a Obra de Dom Bosco é toda ela um poema de fé e caridade. Consumido pelo trabalho, fechou o ciclo de sua vida terrena aos 72 anos de idade, a 31 de janeiro de 1888, deixando a Congregação Religiosa Salesiana espalhada por diversos países da Europa e da América.

Se em vida foi honrado e admirado, muito mais o foi depois da morte. O seu nome de taumaturgo, de renovador do Sistema Preventivo na educação da juventude, de defensor intrépido da Igreja Católica e de apóstolo da Virgem Auxiliadora se espalhou pelo mundo inteiro e ganhou o coração dos povos. Pio XI, que o conheceu e gozou da sua amizade, canonizou-o na Páscoa de 1934.

Apesar dos anos que separam os dias de hoje do tempo em que viveu Dom Bosco, seu amor pelos jovens, sua dedicação e sua herança pedagógica vêm sendo transmitidos por homens e mulheres no mundo inteiro.

Hoje Dom Bosco se destaca na história como o grande santo Mestre e Pai da Juventude.
Embora tenha feito repercutir pelo mundo o seu carisma e o sistema preventivo de salesiano, que é baseado na Razão, na Religião e na Bondade, Dom Bosco permaneceu durante toda a sua vida em Turim, na Itália. Dedicou-se como ninguém pelo bem-estar de muitos jovens, na maioria órfãos, que vinham do campo para a cidade em busca de emprego e acabavam sendo explorados por empregadores interessados em mão-de-obra barata ou na rua passando fome e convivendo com o crime.

Com atitudes audaciosas, pontuadas por diversas inovações, Dom Bosco revolucionou no seu tempo o modelo de ser padre, sempre contando com o apoio e a proteção de Nossa Senhora Auxiliadora. Aliás, o sacerdote sempre considerou como essencial na educação dos jovens a devoção à Maria.

Dom Bosco ficou muito famoso pelas frases que usava com os meninos do oratório e com os padres e irmãs que o ajudavam. Embora tenham sido criadas no século passado, essas frases, ainda hoje, são atuais e ricas de sabedoria. Elas demonstram o imenso carinho que Dom Bosco tinha pelos jovens.

Entre alguns exemplos, "Basta que sejam jovens para que eu vos ame.", "Prometi a Deus que até meu último suspiro seria para os jovens.", "O que somos é presente de Deus; no que nos transformamos é o nosso presente a Ele", "Ganhai o coração dos jovens por meio do amor", "A música dos jovens se escuta com o coração, não com os ouvidos."

O método de apostolado de Dom Bosco era o de partilhar em tudo a vida dos jovens; para isto no concreto abriu escolas de alfabetização, artesanato, casas de hospedagem, campos de diversão para os jovens com catequese e orientação profissional; foi por isso a Igreja reza: "Deus suscitou São João Bosco para dar à juventude um mestre e um pai".

De estatura atlética, memória incomum, inclinado à música e a arte, Dom Bosco tinha uma linguagem fácil, espírito de liderança e ótimo escritor. Este grande apóstolo da juventude foi elevado para o céu em 31 de janeiro de 1888 na cidade de Turim; a causa foi o outros, já que afirmava ter sido colocado neste mundo para os outros.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Modo diferente de falar do amor

Como falar hoje de amor, uma das palavras mais desgastadas de nossa linguagem? Leonardo Boff nos propõe uma abordagem diferente do tema:
Frequentemente sou convidado para falar sobre o amor. Sinto certo constrangimento porque esta palavra – amor – é uma das mais desgastadas de nossa linguagem. E como fenômeno interpessoal, um dos mais desmoralizados. Para não repetir aquilo que todo mundo já sabe e ouve, costumo fazer uma abordagem inspirado num dos maiores biólogos contemporâneos: o chileno Humberto Maturana. Em suas reflexões o amor é contemplado como um fenômeno cósmico e biológico. Expliquemos o que ele quer dizer: o amor se dá dentro do dinamismo da própria evolução desde as suas manifestações mais primárias, de bilhões e bilhões de anos atrás, até as mais complexas no nível humano. Vejamos como o amor entra no universo.
No universo se verificam dois tipos de acoplamentos (encaixes) dos seres com seu meio, um necessário e outro espontâneo. O primeiro, o necessário, faz com que todos os seres estejam interconectados uns aos outros e acoplados aos respectivos ecossistemas para assegurar sua sobrevivência. Mas, há um outro acoplamento que se realiza espontaneamente. Os topquarks, a primeira densificação da energia em matéria, interagem sem razões de sobrevivência, por puro prazer, no fluir de seu viver. Trata-se de encaixes dinâmicos e recíprocos entre todos os seres, não vivos e vivos. Não há justificativas para isso. Acontecem porque acontecem. É um evento original da existência em sua pura gratuidade. É como a flor que floresce por florescer.
Quando um se relaciona com o outro (digamos dois prótons) e assim se cria um campo de relação, surge o amor como fenômeno cósmico. Ele tende a se expandir e a ganhar formas cada vez mais inter-retro-relacionadas nos seres vivos, especialmente nos humanos. No nosso nível é mais que simplesmente espontâneo como nos demais seres; é feito projeto da liberdade que acolhe conscientemente o outro e cria o amor como o mais alto valor da vida.
Nessa deriva, surge o amor ampliado que é a socialização. O amor-relação é o fundamento do fenômeno social e não sua consequência. Em outras palavras: é o amor-relação que dá origem à sociedade; esta existe porque existe o amor e não ao contrário, como convencionalmente se acredita. Se falta o amor-relação (o fundamento) se destrói o social. Sem o amor o social ganha a forma de agregação forçada, de dominação e de violência, todos sendo obrigados a se encaixar. Por isso sempre que se destrói o encaixe e a congruência entre os seres, se destrói o amor-relação e com isso, a sociabilidade. O amor-relação é sempre uma abertura ao outro e uma con-vivência e co-munhão com o outro.
Não foi a luta pela sobrevivência do mais forte que garantiu a persistência da vida e dos indivíduos até os dias atuais. Mas a cooperação e o amor-relação entre eles. Os ancestrais hominídios passaram a ser humanos na medida em que mais e mais partilhavam entre si os resultados da coleta e da caça e compartilhavam seus afetos. A própria linguagem que caracteriza o ser humano surgiu no interior deste dinamismo de amor-relação e de partilha.
A competição, enfatiza Maturana, é antissocial, hoje e outrora, porque implica a negação do outro, a recusa da partilha e do amor. A sociedade moderna neoliberal e de mercado se assenta sobre a competição. Por isso é excludente, inumana e faz tantas vítimas como a atual crise revelou. Ela não traz felicidade porque não se rege pelo amor-relação. A atual crise se originou, em parte, pela excessiva competição e pela falta de cooperação. Vale uma sociedade com mercado, mas não só de mercado.
Como se caracteriza o amor humano? Responde Maturana: "o que é especialmente humano no amor não é o amor, mas o que fazemos com o amor enquanto humanos; é a nossa maneira particular de viver juntos como seres sociais na linguagem; sem amor nós não somos seres sociais".
Como se depreende, o amor é um fenômeno cósmico e biológico. Ao chegar ao patamar humano ele se revela como um projeto da liberdade, como uma grande força de união, de mutua entrega e de solidariedade. As pessoas se unem e recriam pela linguagem amorosa, o sentimento de benquerença e de pertença a um mesmo destino.
Sem o cuidado essencial, o encaixe do amor-relação não ocorre, não se conserva, não se expande nem permite a consorciação entre os demais seres. Sem o cuidado não há atmosfera que propicie o florescimento daquilo que verdadeiramente humaniza: o sentimento profundo, a vontade de partilha e a busca do amor. Estimo que falar assim do amor faz sentido porque nos faz mais humanos.
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.
Matéria extraída da ADITAL Agência de Informação Frei Tito para a América Latina:www.adital.com.br

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